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Segunda-feira, 14 de dezembro de 2015
Leia na íntegra a Homilia de dom Milton na abertura do Ano da Misericórdia em Solene Missa na Catedral
Homilia da Abertura do Jubileu Extraordinário da Misericórdia
Dom Milton Kenan Júnior
Bispo da Diocese de Barretos
Ao iniciar hoje a celebração do Jubileu da Misericórdia ouvirmos a palavra do profeta Sofonias convidando o povo à alegria! Num tempo, semelhante ao nosso em que os reis deixavam-se corromper e o povo abandonava a Aliança, quando se esperava o anúncio de castigos por parte de Deus, eis que surge o profeta Sofonias com uma palavra de esperança, convidando à confiança e a alegria.
Para nós, a alegria anunciada pelo profeta reveste-se de um significado especial: dá-se hoje na Igreja a celebração do Ano Santo Extraordinário da Misericórdia desejada pelo Papa Francisco.
Jubileu é sinônimo de alegria, alegria que nasce da certeza da proximidade de Deus! No Jubileu Deus se mostra favorável ao seu povo, pronto para perdoar e salvar. Tratando-se do jubileu da misericórdia, a alegria deve ser maior! Quando se aproxima o tempo da laranja, ou da uva, ou da maga, vemos que as arvores florescem e pouco tempo as árvores estão carregadas de frutas.
O tempo que iniciamos é o tempo da misericórdia. Podemos crer que neste tempo na Igreja fica carregada de misericórdia e de perdão. Por maior que seja o nosso pecado, muito maior é o perdão! A misericórdia de Deus é para todos! Deus está pronto para nos acolher e perdoar sempre!
Mas o Jubileu da Misericórdia é também um convite para que nos convertamos e aprendamos com Jesus a usar de misericórdia uns para com os outros.
Ao preparar-me para esta celebração deparei-me com um vídeo que tem tido um dos maiores acessos nesta semana. O Título do vídeo é “Padre de Melo posa com travesti e relata encontro em vídeo que repercute na Internet”. Vocês devem talvez estranhar o fato do bispo estar se referindo ao Pe. Fábio de Melo e a um travesti, neste momento tão importante para nós. Permitem-me dizer-lhe que tomei coragem em referir-me a este vídeo, quando lembrei-me da parábola do samaritano, do episódio de Zaqueu e da mulher adúltera. Quanta estranheza aos ouvidos dos judeus piedosos deve ter causado o fato de Jesus propor como modelo um samaritano, quando entre tantas casas dignas, ele preferiu hospedar-se na casa de Zaqueu o cobrador de impostos e, diante da mulher adúltera, o fato de Jesus desarmar os presentes, obrigando-os a abandonar as suas pedras e afastarem-se em silencio, humilhados com a sinceridade e a compaixão de Cristo!
O Padre Fábio de Melo relata a experiência que teve ao sentir-se abordado por uma travesti, que num tom de ironia o desafiou: “O senhor costuma-se fotografar com pecadoras?” Ele confessa a luta que teve que travar com o seu preconceito, com o medo de expor, enfim com a preocupação para aceitar aquele pedido. O gesto do padre foi tão forte que aquele travesti quando saiu não deixou de confessar: “Eu não acredito que o senhor teve coragem!”
Mas a surpresa do padre foi maior quando soube depois que aquele travesti era o fundador de um grupo numa região da cidade do Rio que recolhe todos os miseráveis da região, tem um trabalho social internacionalmente reconhecido... Ele recolhe o povo da rua, abandonado nas sarjetas da cidade, providencia banho, exames médicos, moradia... Não só acolhe, mas também cuida dos miseráveis, daqueles que ninguém cuida, ou então paga alguém cuidar.
Parece-me ouvir, hoje, mais uma vez, o que Jesus disse ao doutor da Lei preocupado por saber quem de fato era “o próximo”, merecedor da sua ajuda; quando ao terminar a parábola do samaritano cuja ternura foi além de toda medida, lhe diz: “Vai e faz você o mesmo!” Hoje, ele repete o mesmo para nós, mesmo tratando-se de alguém que é visto como uma espúria da sociedade: “Vai e faz o mesmo!”
“Sede misericordiosos como o Pai” é o lema deste Jubileu! O Papa Francisco nos pergunta se ainda temos vergonha de ir ao encontro daqueles e daquelas que são diferentes de nós. Jesus não teve! Ele desafiou os especialistas em religião, as autoridades do seu tempo; arriscou a sua vida para levantar que estava caído à margem do caminho, para sustentar aqueles e aquelas que nos caminhos deste mundo se arrastam ou cambaleiam, porque foram tantas as pedras recebidas, que fico pensando que o Papa Francisco ao convocar a Igreja para um Jubileu em torno da misericórdia, sabe do risco que corremos: o risco de limitar a misericórdia às palavras e aos ritos, às intenções e aos propósitos... o risco da misericórdia se tornar uma das muitas palavras que se repete, mas não se vive.
A primeira atitude que precisamos assumir se queremos entrar no mistério da misericórdia é reconhecer que não somos melhores do que os outros. A santidade não nos torna melhores do que os outros, mas servidores dos outros. O Evangelho que cremos não cria uma casta de “perfeitos”, mas nos convoca a salvar os que estão se afogando nas ondas revoltas deste mundo. O Mestre em quem cremos, morreu como um criminoso, com os braços abertos no madeiro da Cruz, para convencer-nos que a paixão que devora o coração de Deus é o amor que Ele tem pelos pecadores.
Neste nosso mundo onde a lama da corrupção invade todas as esferas da sociedade, e penetra no coração das pessoas, fechando-as no egoísmo, o Papa diz que a Igreja tem a missão de ser um “hospital de campanha”, ou pronto socorro em tempo de guerra que acolhe os mutilados, os feridos, aqueles que têm suas pernas amputadas ou perderam a visão por causa dos estilhaços da pólvora. Trata-se, antes de tudo, de curar as feridas, diz Francisco! A urgência não é saber qual a taxa do colesterol, ou da glicemia, mas antes de tudo aliviar a dor, colocar remédio nas feridas ou nos nossos tempos conturbados os cristãos se dão a reconhecer pela sua capacidade de amar, pela capacidade de usar de misericórdia. Não nos iludamos! A fé que brota do Evangelho sempre está acompanhada pelo amor. O amor é inconfundível! Não é necessário diploma para reconhecer o amor, para distinguir entre aqueles que amam e aqueles que falam do amor, mas não se dispõem a amar os outros.
Nós ouvimos o que João Batista respondiam aos que eram tocados com a sua pregação e perguntavam: “O que devemos fazer?” Ele limitou-se a dizer que a resposta à pregação é simples, trata-se de repartir, de servir, de socorrer e ajudar os que precisam, de não enriquecer-se com a desgraça dos outros.
Na Bula “O Rosto da Misericórdia” há uma das mais belas definições da misericórdia e, ao mesmo tempo, o convite mais audacioso que alguém poderia nos fazer neste tempo santo: “o amor nunca poderia ser uma palavra abstrata. Por sua própria natureza, é vida concreta: intenções, atitudes, comportamentos que se verificam na atividade de todos os dias. A misericórdia de Deus é a sua responsabilidade por nós. Ele sente-se responsável, isto é, deseja o nosso bem e quer ver-nos felizes, cheios de alegria e serenos. E, em sintonia com isto... tal como ama o Pai, assim também amam os filhos. Tal como ele é misericordioso, assim somos chamados também nós a ser misericordiosos uns para com outros” (VM 9).
Por que Deus usa de misericórdia para conosco? Porque Ele se sente responsável por nós! Nada mais alegra o coração de Deus quando nos vê felizes e livres, capazes de amar e ser amados.
O Jubileu da Misericórdia nos convida a acolher a misericórdia de Deus, e aprender com Ele a usar de misericórdia, num mundo dilacerado pelo mal. Pois só a misericórdia salvará o mundo!
Amém!
Barretos, 13 de dezembro de 2015