Multimídia - Artigos

Sexta-feira, 19 de março de 2021

Artigo do Pe. Ronaldo: São José, pai terreno do Filho de Deus

Foto | Artigo do Pe. Ronaldo: São José, pai terreno do Filho de Deus
“Não se nasce pai, torna-se pai...” (Patris Cordis, 7). Com estas palavras impressas na carta apostólica “Coração de Pai”, do papa Francisco, em comemoração aos 150 anos de são José como ‘padroeiro universal da Igreja católica’, proponho uma reflexão sobre a terrena e adotiva paternidade deste santo que deu ao Filho de Deus o nome de Jesus (cf. Mt 1,21).
 
José dá um nome ao seu Filho adotivo, que indica a sua origem divina e a sua missão: ‘Javé salva’. Dando-Lhe um nome, José atribui “...um título de pertença, como fez Adão na narrativa do Gênesis, 2,19-20” (Patris Cordis, Introdução). É seu filho adotivo, o Filho muito amado de Deus, que fez de José “...a sombra na terra do Pai celeste” (Patris Cordis, 7), como bem descreveu Jan Dobraczy?ski.
 
Nascido na carne, Jesus teve um pai terreno gerado na carne, para que a sua humanidade fosse perfeita. De fato, “o Filho do Todo-Poderoso vem ao mundo, assumindo uma condição de grande fragilidade. Precisa de José para ser defendido, protegido, cuidado e criado” (Patris Cordis, 5).
 
“Verdadeiro homem” (Concílio de Calcedônia), Jesus é da mesma natureza humana ao entrar no mundo, por isso, adquiriu um pai terreno para que a sua relação filial na mais perfeita obediência ao Pai celeste fosse vivida e testemunhada de forma humana com o seu pai adotivo. Filho do celeste Pai e, ao mesmo tempo, do terrestre José, Jesus faz da paternidade uma categoria soteriológica (salvífica) necessária para que a nossa existência cristã seja assegurada pela indispensável condição filial. Ele é em tudo o Filho obediente: no céu e na terra, ao divino Pai e ao terreno padrasto.
 
“Verdadeiro Deus” (Concílio de Calcedônia), Jesus é da mesma natureza divina do Pai celestial. Por proceder do Pai, isto é, “gerado, não criado, consubstancial ao Pai” (Credo Niceno-Constantinapolitano), a igualdade de natureza pressupõe a distinção das pessoas divinas do Pai e do Filho.  Por existir uma relação entre as duas pessoas divinas, é que se pode dizer que uma delas é o Pai e a outra é o Filho. Sem esta relação interpessoal, intercomunicada pelo amor circulante da pessoa do Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho, restaria apenas a natureza divina e as pessoas divinas se dissolveriam, impossibilitando a natureza divina de realizar-se, isto é, de ser amor ativo no doar-se do Pai, na obediência do Filho e na operosidade do Espírito.
 
Esta relação interpessoal Trinitária e circulante, é a prova mais cabível da existência do único Deus na pluralidade das pessoas divinas, ao fazer com que esta relação dada no seito da Trindade santa, exprima e torne operoso aquilo mesmo o que Deus é por natureza: Amor – “Deus caritas est” (1Jo 4,16). Sem este diálogo comunal entre as Pessoas divinas do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Deus não existiria porque faltaria esta relação interpessoal, sine qua non, seria impossível Deus realizar-se no Amor; isto é, na operosidade da sua natureza. Se o amor não se realiza em Deus, então Deus não existe; mas porque o Pai ama o Filho e o Filho ama o Pai, Deus é. O amor se prova amando. Mais ainda, o amor não apenas se demonstra amando, como ele só existe se duas pessoas ou mais se amarem. É neste sentido que José é “a sombra do Pai”, porque permite que o Filho de Deus exerça na terra um filial amor ao Pai celeste e ao pai terrestre e, ao mesmo tempo, seja paternalmente amado por eles. De fato, nutrido pelo humano amor de sua mãe Maria e de seu pai José, sendo-lhes “submisso, [...] Jesus ia crescendo em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2,51-52).
 
Então, o que esta elaboração teológica revela sobre a paternidade adotiva de José? Revela, antes de tudo, que os estados de vida paternal e filial são categorias relacionais; eis o segredo. Vale dizer que a paternidade biológica pressupõe a paternidade relacional exercida no dia-a-dia das pessoas implicadas. Isso demonstra que a paternidade adotiva exercida por José em relação ao seu filho Jesus é verdadeira paternidade. Nisto consiste o axioma inicialmente citado: “não se nasce pai, torna-se pai”. É muito mais que um laço sanguíneo: é relação de pessoas. A consanguinidade demonstra a sua origem; já a tipo de relação interpessoal revela a sua condição existencial: ser filho ou pai. Não existe orfandade quando se é amado por um pai.
 
Neste sentido, ser filho é também um vir-a-ser: nasce-se filho biológico, mas vive-se esta condição filial na estreita relação com o pai. Porque a graça do batismo nos faz partícipes da filiação de Cristo, então não existe orfandade entre os cristãos: em Cristo, somos filho adotivos do divino Pai celeste e, ao mesmo tempo, filhos adotivos do humano pai José, ‘patrono universal da Igreja’.
 
Por: Pe. Ronaldo José Miguel
Pe. Ronaldo José Miguel

Sobre o autor:

O sacerdote é vice-reitor do Seminário Sagrado Coração de Jesus, em São José do Rio Preto, e vigário paroquial na Paróquia Santo Antônio de Pádua, em Barretos. É mestre em Teologia Dogmática, pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. 
E-mail: ronaldojmiguel@icloud.com
Veja mais artigos do autor >>>