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No círculo das polêmicas midiáticas se encontra a Campanha da Fraternidade Ecumênica deste ano, ao ser questionada pela temática especificamente ecumênica e, sobretudo, pela referência aos grupos LGBTQI+ em seu texto-base (cf. nn. 58 e 68).

 

A reprovação de uma minoria repercutiu nos potentes veículos de opinião pública e gerou um efeito colateral: despertou no coração dos fiéis a Campanha da Fraternidade como uma prática quaresmal que estava paulatinamente adormecendo e caindo no esquecimento. Em outras palavras, a polêmica divulgou a CF e fez dela um assunto de interesse.

 

Neste vendaval provocado pelos ventos contrários dos que negam o ecumenismo e a Campanha da Fraternidade e seus conteúdos, certamente não falta o sopro do Espírito Santo a iluminar e a abrandar a vida de fé daqueles que entremeiam a agitação.  

 

Como um dos instrumentos para percorrer o itinerário quaresmal na conversão pessoal e comunitária, a CF-2021 é, sem dúvida alguma, a que mais corresponde ao tempo litúrgico da quaresma. Uma conversão que não provoque uma busca pela unidade entre os cristãos, não é verdadeira conversão e muito menos significará a glória da ressurreição; isto é, daquela unidade que Cristo alcançou com o mistério da sua cruz, agraciando-nos com a participação em seu único corpo e dignificando-nos como filhos no Filho.

 

Se a nossa conversão quaresmal não convergir para a plena comunhão em Jesus Cristo, como iremos participar na graça da ressurreição que se dá na unicidade e na unidade do seu corpo? Como gozaremos daquela paz que é fruto da reconciliação e da fraternidade universal que Cristo alcançou em seu corpo imolado por nós? “De fato, ele é a nossa paz: de dois povos fez um só, em sua carne derrubando o muro da inimizade que os separava e abolindo a lei com seus mandamentos e exigências. Ele quis, assim, dos dois povos formar em si mesmo um só homem novo, estabelecendo a paz e reconciliando os dois com Deus, em um só corpo, mediante a cruz, na qual matou a inimizade” (Ef 2,14-16).

 

Certamente, não existe uma ação tão ecumênica do que aquela realizada no mistério da cruz: “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32). Não existe maior desejo em Deus do que aquelas últimas palavras que narram a oração sacerdotal de Jesus Cristo: “Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti. Que também eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste. Eu lhes dei a glória que tu me deste, para que eles sejam um, como nós somos um, eu neles e tu em mim. Sejam, assim, consumados na unidade, e o mundo reconheça que tu me enviaste e os amaste, como amaste a mim” (Jo 17,21-23). Não existe maior testemunho de unidade no mundo do que aquela ação perene realizado pelo Espírito Santo na vida da Igreja e vislumbrada no dia de Pentecostes:  “Nós que somos partos, medos e elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judéia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egito e da parte da Líbia próxima de Cirene, e os romanos aqui residentes, judeus e prosélitos, cretenses e árabes, todos nós o escutamos, anunciando as maravilhas de Deus em nossa própria língua!” (At 2,9-11). Atualmente, não existe maior testemunho de fraternidade e de unidade com Cristo no mistério de sua cruz do que uma Igreja samaritana que acolhe a todos os que sofrem pela violência; sejam eles cristãos ou não cristãos, católicos ou não católicos, santos ou pecadores, religiosos ou laicos: “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

 

Uma quaresma que não busque a unidade entre os cristãos, qual corpo de Cristo visível no mundo de hoje, e que não se converta contra todo tipo de violência que continua a ferir os membros do corpo de Cristo pendente na cruz, peca contra o Espírito Santo, que converteu o corpo do Filho dominado pela morte em corpo indiviso e pleno de vida, segundo o beneplácito do Pai: “Há um só corpo e um só Espírito, como também é uma só a esperança à qual fostes chamados. Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, acima de todos, no meio de todos e em todos” (Ef 4,4-6).

 

“Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti” (Jo 17,21), não é apenas um desejo que brota do coração agonizante de Jesus Cristo, mas é o pedido do Filho amado que é atendido pelo Pai e que se transformou em graça universal ao assumir a nossa carne, transfigurando-a no alto da cruz e fazendo de nós “um só corpo e um só espírito” (Oração Eucarística III). Não crer nisto, significa não crer na graça e nos méritos de Cristo e é, portanto, pecado contra o Espírito Santo; isto é, pecado contra o Espírito da unidade, da fraternidade, da comunhão, que faz de nossos dias um eterno pentecostes quando vivemos unidos a Cristo.

 

“Por Cristo, com Cristo, em Cristo...” é a mais sublime oração ecumênica e o verdadeiro culto espiritual agradável a Deus, que nos acolhe em seu Filho Jesus Cristo, na oferta do seu Corpo único: “... a vós, Deus Pai todo-poderoso, na unidade do Espírito Santo, toda honra e toda glória, agora e para sempre” (doxologia).

 

Sem sombras de dúvidas, a Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021 toca no centro da fé cristã, vivida na eclesialidade e na sacramentalidade do corpo místico de Cristo, promovendo aquela “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor” (Tema da CF-2021),  a fim de que “...o Espírito nos una num só corpo, para sermos um só povo em seu amor” (Oração Eucarística V).

 

A opinião pública de uma minoria, que potencialmente ecoa nos novos areópagos digitais de evangelização, não pode abafar a Palavra de Deus revelada e transmitida na milenar tradição da Igreja e que compõe o depósito da fé cristã. A opinião de um grupo não pode suplantar aquele consensus fidelium, que é fruto do Espírito manifestado na fé eclesial em virtude do batismo.

 

A crise institucional que tange o atual cenário eclesial, marcado pela dispersão do rebanho e pelo esgotamento e enfraquecimento dos pastores, tem gerado uma gama de “católicos anônimos”, totalmente desvinculados de suas Igrejas mães, isto é, suas dioceses e comunidades paroquiais. Ouvem as vozes de outros pastores, mas não as dos seus. Buscam uma Igreja do passado, mas não a sua Igreja viva e atuante no presente. Comungam da opinião pública de qualquer grupo extra eclesial, mas não a voz da Igreja tradicional. Obedecem aos Sumos Pontífices que descansam nas catacumbas da Basílica de São Pedro, mas não reconhecem aquele Pastor Universal que caminha junto ao rebanho. Fundamentam-se no Concílio de Trento com o seu contexto histórico-eclesial, mas não aceitam o Vaticano II que diz tanto ao nosso tempo.

 

Enquanto o batismo for apenas um rito, a eucaristia for um alimento espiritual sem comprometimento, a fé for uma experiência individual, a Igreja for apenas um templo e o ministério ordenado for somente uma forma de poder e autoritarismo sem fazer eco à voz e às necessidades do rebanho, existirão multidões de “católicos anônimos” ensinando os seus “credos” nos púlpitos extra eclesiais.

 

Uma Igreja onde a diocesaneidade não é vivida, a sinodalidade não é praticada e o rebanho não é cuidado, correrá sempre o risco de dispersar-se. A esta Igreja caberá, em primeiro lugar, buscar sempre aquela “unidade interna da fé”, antes de pretender viver e praticar um verdadeiro ecumenismo e diálogo inter-religioso.

 

Se as divisões são, antes de tudo, obra e culpa humana, todavia, existe nelas uma dimensão que corresponde à disposição divina, e que, além de revelar que Deus julga e perdoa, exige do homem duas atitudes essencialmente cristãs e quaresmais: a penitência e a conversão. Caberá, sempre a nós, numa constante campanha pela fraternidade, permitir e implorar o protagonismo do Espírito Santo, autor e garante da verdadeira unidade.