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Terça-feira, 16 de março de 2021

Artigo do Pe. Ronaldo: A mulher que faltou no paraíso

Foto | Artigo do Pe. Ronaldo: A mulher que faltou no paraíso
No dia 8 de março é comemorado o Dia Internacional da Mulher, oriundo das lutas feministas iniciadas no final do século XIV. A comemoração anual desta data permite fazer uma releitura histórica sobre a presença e o papel da mulher, desde a antiguidade até os nossos dias. Reconhecidas ou não, muitas vezes inferiorizadas ou marginalizadas, elas nunca deixaram de exercer o seu protagonismo feminino no caminho da história, que não pode prosseguir sem elas.
 
Então, como ela aparece nos primeiros relatos que a própria história a descreveu? A narrativa bíblica do livro do Gênesis retrata a origem da primeira mulher, Eva, tirada e formada do lado de Adão, o primeiro homem, para coabitar com ele no paraíso. “É osso de meus ossos e carne de minha carne” (Gn 2,23), disse Adão. “Tirada do homem”, ela é dada ao próprio homem que “...deixará seu pai e sua mãe, e se unirá à sua mulher, e eles se tornarão uma só carne” (Gn 2,23-24). Entretanto, é conhecido o desfecho desta história que a literatura bíblica utilizou para afirmar a entrada do pecado no mundo.
 
Adão, o homem gerado do barro, e Eva, a mulher formada do lado de Adão, fizeram a experiência da paternidade e da maternidade ao serem os primeiros no mundo a gerarem filhos, mas eles mesmos não souberam o que é ter um pai ou uma mãe originados na carne. Adão, o homem do barro, foi criado pela Palavra divina e pelo hálito da vida, o Espírito; Eva, consubstancial a Adão, é tirada e formada da mesma carne. Tendo origem divina, ambos viveram um verdadeiro paraíso antes do pecado.
 
Nesta alegoria bíblica, para explicar o estado de graça que a humanidade gozava antes do pecado entrar no mundo, atrevo com um questionamento não menos alegórico: e se Adão e Eva tivessem tido uma mãe na carne, o que isso significaria para a teologia do estado paradisíaco?
 
Creio que a questão colocada não acrescenta nada de novo à teologia da criação do homem no paraíso. Entretanto, existe uma outra mulher de nome Maria, a nova Eva, que no aconchego do seu ventre maternal, gerou o verdadeiro homem, Jesus Cristo, o novo Adão. Jesus, mesmo sendo divino e já sendo Filho diante do Pai, não entrou no mundo, isto é, na carne, à semelhança do antigo Adão, mas por meio do sim e do ventre virginal de Maria, Mãe de Deus.
 
Para escândalo do homem paradisíaco, o Filho de Deus teve uma Mãe que consentiu com seu amor em acolher o Verbo que se fez carne. Verdadeiro Deus e verdadeiro homem, o Filho de Deus não deixou de experimentar o dom da maternidade, sendo Filho de Maria. Aquele, que tem a sua origem no amor eterno e consubstancial do Pai, ao entrar no mundo para transfigurá-lo com seu amor, experimentou o humano amor de Mãe. Veio para amar e tudo transformar com seu amor, mas foi necessário que alguém maternalmente o amasse, a fim de que seu amor pudesse entrar onde já não existia amor, isto é, a humanidade pecadora. E o Amor se encarnou na carne daquela que foi capaz de o amar. Eis o sim de Maria, não obstante a desobediência de Eva; eis a humana cooperação da nova Mulher, frente a indiferença da antiga.
 
A humilde serva do Senhor e primeira discípula da Boa Nova, ao acolher no seu coração o anúncio do anjo e no ventre materno o Verbo encarnado, tornou-se um exemplo, um modelo para a humanidade, como bem precisou o Concílio Vaticano II.
 
Todavia, sendo um modelo para todos os cristãos, somente ela participa de um estado de vida que a nenhuma outra mulher será concedido: ser a Mãe de Deus. Nem mesmo Eva, a antiga mulher, criada em Adão à imagem e semelhança de Deus, gozou deste estatuto. O pecado fez com que a plenitude da graça desejada por Deus no estado paradisíaco se transformasse, desde o princípio, numa promessa a ser realizada com a nova criação dada em seu Filho muito amado. E Aquela que com o amor visceral acolheu o Filho amado de Deus no paraíso do seu ventre, deu o sim obediente a Deus que a primeira humanidade fora incapaz de oferecer na figura da antiga mulher. Maria é a mulher que faltou no paraíso. É a cooperadora na realização das promessas. Ela é a Theotókos, a Mãe de Deus.
 
Por: Pe. Ronaldo José Miguel
Pe. Ronaldo José Miguel

Sobre o autor:

O sacerdote é vice-reitor do Seminário Sagrado Coração de Jesus, em São José do Rio Preto, e vigário paroquial na Paróquia Santo Antônio de Pádua, em Barretos. É mestre em Teologia Dogmática, pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. 
E-mail: ronaldojmiguel@icloud.com
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