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Quinta-feira, 23 de julho de 2015

Artigo do padre Ivanaldo: Novos lazarentos

Foto | Artigo do padre Ivanaldo: Novos lazarentos

E quem não se recorda da célebre passagem intitulada “o rico e o pobre”? Registrada no livro sagrado dos cristãos, a Bíblia, no Evangelho de Lucas, a passagem contrasta a opulência do rico que se vestia de roupas finas e fazia festas esplêndidas, com a miséria do pobre, cheio de feridas, que mendigava à sua porta. O registro ainda hoje é utilizado, por muitos, como argumento, seja para justificar a distância entre pobres e ricos, dando vida ao conceito de estratificação social, seja para alimentar a revolta dos pobres em relação aos ricos. Entendido inadequadamente, o texto embasa a generalização infundada: todo rico é mau e todo pobre é bom.

Ultrapassemos os vícios, tanto do reducionismo quanto do generalismo. Mais que condenar ricos e privilegiar pobres, a parábola nos desafia a perceber que o maior dos males consiste na insensibilidade para com a presença do outro, sobretudo em suas dores e necessidades. Nesse sentido, ser rico ou pobre, ser negro ou branco, ser cristão ou não, é o menos importante. A lepra da insensibilidade, doença mais antiga e devastadora de todos os tempos se alastra, contaminando e contagiando cada vez mais pessoas.

A doença da lepra, cientificamente chamada hanseníase, é hoje tratável. É cada vez mais raro encontrar mendigos pelas ruas, o que se justifica tanto pelo aumento do poder aquisitivo da população, quanto pelo fato de os sistemas políticos, estrategicamente, amontoar os pobres nos arrebaldes das cidades. Também os ricos, antes, deitados eternamente em berço esplendido, hoje, disputam um lugar ao sol. Enfim, as referências são outras, é preciso ir além.

Somos o rico quando, vislumbrados conosco mesmos e com nossas misérias materiais, intelectuais, emocionais e espirituais, cegos ao que acontece à nossa volta, ignoramos o outro. As dores e fomes de nossos dias, não mais de pão material, são de atenção, carinho, respeito, consideração... Hoje, Lázaro, o mendigo, não é malcheiroso, anda bem vestido, unhas aparadas, cabelo penteado, fala várias línguas, usa celular de última geração, tem diploma, é doutor, porém, mendiga, um pouco de amor. O ‘caído à porta’, para além de referência física, não mais significa ‘lá fora’; os novos lazarentos estão caídos aqui, ai, acolá, dentro de nossas casas, trancafiados em suas prisões disfarçadas de quartos, nas melhores universidades, navegando pela internet, dependentes de todos os tipos de drogas, disfarçados de executivos...

Somos Lázaro, lazarentos, quando ignorados e mal amados, choramos a dor do abandono, da rejeição e, sorrindo por fora, estamos destroçados por dentro, com feridas abertas na mente, na alma, no coração e na vida, desfigurados. Descruzemos os braços! Não protelemos o desfecho dessa estória para outra vida, pois a vida é uma só, em estados diferentes. Não transfiramos a responsabilidade do abraço que só eu e você podemos dar, nem mesmo para Deus, que não pode acolher e amar em nosso lugar.  Os novos lazarentos estão ai, aqui, acolá...

 

Ivanaldo Mendonça

Padre, Pós-graduado em Psicologia

ivanpsicol@hotmail.


Postado em 04/10/2013 às 13h46 - Imagem da Internet

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