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Artigo do padre Ivanaldo: Saudade é o amor que fica
Sempre que possível ia visitá-la. Com pressa, passava para pedir sua benção; com tempo, dedicava-me a ouvi-la. A clareza de idéias e rapidez de raciocínio permitia visualizar cada cena de seus relatos. De tudo tirava uma lição, primeiro para si. Ninguém ia embora sem um caloroso abraço e um “Deus te abençoe”. Sempre, alguém pedia que fizesse uma oração pelo filho, neto, marido, esposa, que estava doente. De imediato, colhia folhas de alecrim e arruda, fazia o sinal da cruz e rezava: “com Deus adiante na paz e na guia incumendo a Deus e a Virgem Maria”. Deus era o centro de suas orações.
Nove filhos. Não participou da celebração do casamento de nenhum deles porque a casa tinha que estar arrumada, comida pronta e barraca enfeitada para a festa. Viúva por mais de vinte anos, optou pela fidelidade eterna, para além do “até que a morte os separe”. Nos momentos difíceis, fixava o olhar em Deus e na Santa Igreja Católica. Com ninguém compartilhava reclamos, apenas alegrias. Quando amuada, sabíamos que o problema era com um filho, neto ou alguém próximo. Externava seu sofrimento mais pela dor dos outros do que pela sua.
Descendente de escravos, baiana, não arredava o pé do que acreditava. Além de idade, possuía experiência, sabedoria e autoridade. Seu silencio e olhar falavam, sem agredir ou condenar. Confidente e conselheira da família, amiga dos filhos, genros e netos que, apesar da larga diferença de idade, nela encontravam o que a faculdade não ensinara. O domingo era o dia da família. Os filhos só entendiam isso quando não iam à sua casa. Quando soube que eu seria padre, não se coube de contentamento. Após a ordenação, adiantou-se, beijou minha mão e pediu: “bença padre”.
Aos noventa e sete anos, num repente, entrou em coma. Por três vezes ensaiou uma recuperação, afinal de contas, nunca fugira das dificuldades. Celebrei meu aniversário rezando junto àquela que, tantas vezes, me embalou em seu colo. No dia 14 de junho de 2010, enquanto preparava-me para uma palestra, recebi a notícia: faleceu. Entre cancelar o compromisso e unir-me aos que choravam, pensei: o que ela faria se estivesse em meu lugar? Ministrei a palestra e, no outro dia, a oração de encomendação do seu corpo. Estava mais simples e pobre do que nunca, com seu vestido de chita.
Poucos a conheceram pelo nome de registro, Maria Pereira de Carias; muitos a conheceram como Dona Maria, outros a conheceram como Dona Mariquinha benzedeira; a conheci como avó.
Vó Mariquinha! Ai de junto de Deus olha por nós. Mesmo que a mente não entenda e o coração cante “Não sei por que você se foi...”. Quanta saudade! Aprendi contigo que sentir saudade não é defeito e que chorar ao relembrar um amor verdadeiro não é fraqueza. Saudade é o amor que fica.
Ivanaldo Mendonça
Padre, Pós-graduado em Psicologia, Coaching
ivanpsicol@hotmail.com
Postado em 13/06/2013 às 13h38 - Imagem da internet